Gestor contrata empresa do pai da neta e da qual foi fundador
Gestor da Águas
de Gaia fez vários contratos por ajuste direto a empresa do qual foi
sócio-fundador. Processo chegou a ser investigado por PJ e Ministério Público,
mas acabou por ser arquivado
Contratar por ajuste direto
uma empresa do qual se foi sócio-fundador três meses antes, fazer esses mesmos
ajustes ao pai da neta e esses contratos incluírem a compra de uma só cadeira
por mais de 2400 euros não é normal. Pelo menos, foi o que a Polícia Judiciária
(PJ) entendeu e resolveu investigar o atual presidente da Águas de Gaia - a
empresa do sector da água mais endividada do País. Embora os três factos acima
referidos tenham sido confirmados na investigação, o processo acabou por ser
arquivado por falta de provas relativas ao crime em causa: participação
económica em negócio.
Apesar de bizarros, nenhum
dos atos configuram ilegalidades, pois a questão - segundo o Ministério Público
(MP) e também o município de Gaia - põe-se no plano ético. Hoje, a Águas de
Gaia é a terceira empresa municipal mais endividada (num universo de 270),
devendo 65,7 milhões de euros. E nem todos os atos de gestão foram imaculados.
De acordo com o processo
2484/TAVNG (o tal já arquivado), ficou provado que o atual presidente das Águas
de Gaia, José Maciel, foi cofundador da empresa Motion Design em conjunto com o
ex-namorado da filha e pai da neta, Carlos Oliveira. O DN teve acesso à
escritura que confirma que Maciel foi mesmo fundador da Motion Design e ficou
com 5% do capital social. Ora a empresa foi constituída a 12 de maio de 1999,
quando Maciel já era administrador das Águas de Gaia (desde abril).
No entanto, legalmente nada
o impedia de estar nos dois tabuleiros. Dois meses depois - de acordo com nova
escritura -, Maciel acabaria por abandonar a empresa, mas manteve-se na Águas
de Gaia, que hoje continua a presidir. Um mês depois de Maciel sair da Motion
começaram as relações contratuais e os ajustes diretos à empresa, que continuou
a ser do pai da neta. No entanto, o Ministério Público não viu nesta ligação
qualquer problema legal, uma vez que considerou não existir uma relação
familiar direta.
De acordo com o MP e a PJ,
foram adjudicados à Motion, entre 1999 e 2007, 274 contratos no valor de 1 904
500 euros, tendo os investigadores apurado - de acordo com o processo a que o
DN acedeu - que "José Maciel quer como vogal quer como presidente terá
participado em todas as deliberações relativas às adjudicações destes
contratos".
O Ministério Público
investigou ainda se não seriam "exagerados" e "lesivos" a
compra de uma cadeira por 2400 euros, a compra de "11 cadeiras por 11 183
euros" ou, por exemplo, o aluguer de "17 mesas para reunião por 3543
euros". Os mesmos foram considerados justificados pela investigação, após
serem apresentadas faturas que refletiam preços similares cobrados pela Motion
a outras entidades públicas.
Mas não foi só o Ministério
Público a agir. A 28 de janeiro de 2008, Luís Filipe Menezes envia um e-mail
(ver fac-símile) ao seu "vice", Marco António Costa, para que se dê
início a um "processo de inquirição sumário", na sequência de uma
denúncia anónima enviada à câmara sobre o caso. Porém, destaca na mesma
missiva, que "a pessoa em apreço [José Maciel] deve merecer, até prova em
contrário, toda a nossa solidariedade".
A Direção Municipal de
Assuntos Jurídicos da autarquia censurou as ações de Maciel. No relatório que
resultou do inquérito disciplinar - concluído a 13 de fevereiro de 2008 - a
câmara destaca que "não existem elementos que nos levem a concluir pela
existência de uma conduta ilegal". Porém, o mesmo documento ressalva que
"do ponto de vista ético entendemos [...] que o facto de o sr.
administrador participar quer na primeira deliberação do Conselho de
Administração onde foi adjudicado o primeiro serviço à empresa da qual tinha
sido sócio até [há] um mês atrás, quer nas posteriores, nelas participando, é
suscetível de censura". A repreensão não teve quaisquer efeitos e Maciel
continuou na Águas de Gaia.
Parte das adjudicações à
Motion foram feitas quando Poças Martins era presidente da Águas de Gaia. Inquirido
pela Polícia Judiciária sobre o assunto, o reputado professor explicou que
"a política da empresa pautava-se pela procura de eficiência da economia e
rigor de gestão, motivo pelo qual entenderam que o ajuste direto, naqueles
casos específicos, sendo legal, era o que melhor servia os interesses da
empresa". A Judiciária tentou ainda relacionar Poças Martins com a Motion,
perguntando a Carlos Oliveira se o filho do presidente da Águas de Gaia trabalhava
para a Motion.
Carlos Oliveira reconheceu
ao inspetor que o filho de Poças Martins, "sendo arquiteto, colaborou em
alguns projetos realizados pela Motion Design". A ligação não foi, no
entanto, aprofundada na investigação judicial, por não ser considerada
relevante.
Já Manuel Dias da Fonseca,
o terceiro administrador, em declarações à Polícia Judiciária, "levantou
dúvidas" sobre a relação com a Motion, alertando que era "um
fornecedor que se destacava" e que quando recorreu a outras tipografias para
fazer o trabalho da Motion obteve "preços mais baratos", mas a
sugestão de procurar outras gráficas não foi acolhida por Maciel.
Por outro lado, Maciel
disse que "nunca teve uma relação de proximidade amistosa" com o pai
da neta e que "nunca teve qualquer intervenção na Motion", destacando
que contratou a empresa pela qualidade inegável do trabalho que produzia.
Entendendo que havia um
vazio legal quanto ao "procedimento de escolha de fornecedores", que
os ajustes diretos foram decididos "pelos três administradores" e que
"Carlos Oliveira não é genro de José Maciel, nem detém qualquer vínculo
familiar afim com o mesmo", o MP acabou por arquivar tudo.
No despacho de
arquivamento, o mesmo é justificado devido à "inexistência de indícios
suficientes da prática dos factos imputados [crime de participação económica em
negócio]". No entanto, o processo demonstrou as debilidades éticas (de
acordo com o relatório da câmara) destes atos de gestão. Mesmo após o processo,
a Águas de Gaia continuou a fazer ajustes diretos à Motion, o último foi no dia
26 de abril deste ano, no valor de 52 mil euros.
Contactado pelo DN, José
Maciel recusou-se a prestar declarações sobre o assunto, remetendo
esclarecimentos pa-ra o processo.