Antes de
chegar ao Governo, o dirigente do CDS assessorou multinacionais no offshore da
Madeira e o fabricante dos blindados no caso das falsas contrapartidas. No
governo, destacou-se pela amnistia fiscal aos Espírito Santo que “lavou” as
luvas dos submarinos e pela isenção milionária aos grandes grupos económicos.
20 de Março, 2015 - 15:13h
Foto Pedro Nunes/Lusa
O secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais pode mesmo vir a ser o único sobrevivente da vaga de demissões dos
responsáveis pelo fisco português. Paulo Núncio foi o primeiro a desmentir a
existência de uma “lista VIP” de contribuintes protegidos das consultas dos
funcionários da administração fiscal, para depois se ver desmentido pelos
factos. Mas esta polémica, em torno da proteção do cadastro fiscal de Passos
Coelho, Paulo Portas, Ricardo Salgado, Cavaco Silva e muitos outros, não é a
primeira em que o secretário de Estado está envolvido.
No seu currículo de advogado fiscalista
tem as sociedades Morais Leitão, Galvão Teles & Associados (MLGTS) e
Garrigues & Associados, desde 2007 até à entrada no Governo. Na primeira,
esteve ligado ao ramo do escritório para o offshore da Madeira, sendo
representante da MLGTS
Madeira Management & Investment SA. Esta
sociedade foi apontada no livro Suite 605 como a criadora de um grupo de 112
sociedades com o mesmo nome, operação de clonagem que levou a investigações
judiciais com origem em Itália. Antes das eleições de 2011, foi chamado por
Paulo Portas para as reuniões com a troika, na altura apresentadas como
“negociações”.
A maior amnistia fiscal de sempre ao dinheiro escondido no estrangeiro
Logo no primeiro Orçamento de Estado, é
criado o terceiro Regime Especial de Regularização Tributária (RERT III), que
permitiu a quem escondeu dinheiro em contas no estrangeiro legalizar a situação
e proteger-se de futuras condenações a troco de uma taxa de 7,5% sobre o
montante declarado. Ao contrário dos dois RERT anteriores, sob o governo
Sócrates, este não obrigou ao repatriamento dos capitais, servindo apenas para
os amnistiar. A descoberta do esquema de fuga de capitais revelado pela
investigação Monte Branco levou ao prolongamento do prazo de candidatura a esta
amnistia fiscal. Foi um recorde: 3.4 mil milhões de euros legalizados, mais do
que nos RERT I e II juntos.
Paulo Núncio também esteve ligado aos
RERT anteriores, mas então no apoio aos beneficiários, ao serviço da Garrigues
& Associados. Em 2010, explicava esse regime aos seus clientes como uma
“amnistia fiscal” que garante "um escudo protetor (relativamente aos
valores declarados) de todas as obrigações fiscais e mesmo de todas as
infrações cometidas”.
Entre outros negócios obscuros, o RERT
III serviu para ilibar os dirigentes do Grupo Espírito Santo de qualquer
acusação a respeito das luvas recebidas pela compra dos submarinos ao consórcio
alemão, permitindo ao Ministério Público dar por encerrada a investigação.
Paulo Núncio também esteve ligado aos RERT anteriores, mas então no apoio aos
beneficiários, ao serviço da Garrigues & Associados. Em 2010, explicava
esse regime aos seus clientes como uma “amnistia fiscal” que garante "um
escudo protetor (relativamente aos valores declarados) de todas as obrigações
fiscais e mesmo de todas as infrações cometidas”. Dois anos depois, falando ao
Expresso sobre o RERT III, que criara enquanto governante, garantia que "o
Governo rejeita expressões como 'amnistia fiscal' ou 'perdão fiscal'".
A isenção fiscal às SPGS
Poucos meses depois de entrar no
governo, um despacho assinado por Núncio isentou os grandes grupos económicos
do pagamento de milhões de euros em impostos. "Na prática, uma empresa que
pague um euro de uma sua subsidiária pode estar isenta de milhões de euros das
sedes dessas empresas", explicou
na altura o deputado bloquista Pedro Filipe
Soares.
O despacho sobre a tributação dos
dividendos dos grupos com sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)
resultou da polémica venda da empresa telefónica Vivo por parte da Portugal
Telecom, cujas mais valias avaliadas em 6 mil milhões de euros não pagaram um
cêntimo de imposto. O labirinto montado para as SGPS por empresas de advogados
como a de Paulo Núncio, com recurso a sociedades offshore ou paraísos fiscais
como o Luxemburgo, permitia-lhes escapar a esta tributação. O despacho assinado
pelo Secretário de Estado ajudou ainda mais as grandes empresas a escapar ao
pgamento de milhões de euros em impostos. Em 2014, uma auditoria do Tribunal de
Contas acusou o Governo de esconder
a concessão de benefícios fiscais às
SGPS no valor de 1045 milhões de euros.
As contrapartidas dos negócios militares
Quando a Fabrequipa é pressionada a
assinar contrapartidas que não queria, Pita recorda a presença de Paulo Núncio
em representação da Steyr. Já nessa altura, a maioria PSD/CDS protegeu Paulo
Núncio, impedindo a sua audição e esclarecimento do seu papel neste negócio.
Se foi com o RERT III de Paulo Núncio
que os beneficiários donegócio
dos submarinos escaparam à lei, o próprio
Secretário de Estado teve um papel importante, enquanto representante da
austríaca Steyr, no negócio-fantasma das contrapartidas pela aquisição de
blindados para o exército. Na abertura do concurso, Paulo Portas era ministro
da Defesa e coube também ao líder do CDS adjudicar a compra dos Pandur à
empresa representada por Núncio. Essa decisão é tomada já depois de Jorge
Sampaio ter demitido o seu governo e justificada com a promessa de que isso
faria renascer a entretanto encerrada fábrica da Bombardier na Amadora. Sete
anos depois, o acordo era denunciado por incumprimento de prazos e outras
obrigações da Steyr, entretanto adquirida por um fabricante norte-americano. Só
em 2014 houve acordo para terminar o litígio do Estado com a empresa.
Em declarações na comissão parlamentar
de inquérito, em 2014, o empresário Francisco Pita, da Fabrequipa, empresa do
Barreiro subcontratada para o fabrico dos blindados, afirmou ter sido
“obrigado” a adquirir uma empresa sem qualquer atividade e que detinha os
direitos das contrapartidas, a GOM. E quando a Fabrequipa é pressionada a
assinar contrapartidas que não queria, Pita recorda a presença de Paulo Núncio
em representação da Steyr. Já nessa altura, a maioria PSD/CDS protegeu Paulo
Núncio, impedindo a sua audição e esclarecimento do seu papel neste negócio.
Sem comentários:
Enviar um comentário